quinta-feira, 7 de maio de 2015

Resenha: Ressonância Mórfica - Mapinguari (2014)

Poucas vezes eu escrevo alguma coisa. Não por falta do que falar, mas pela preguiça de expor o que talvez seja óbvio demais pra quem lê. Nessa prevenção provavelmente equivocada de dizer o já dito esbarro num vazio, justamente porque ninguém vai falar o que sinto além de mim mesmo.
Introduzi o texto com essa ladainha pra dizer que, a seguir, você não vai ler o que já foi por aí publicado sobre o objeto – Mapinguari, recém-lançado disco do Ressonância Mórfica -,  e sim as sensações que me ocorrem quando vejo a banda em ação, ouço as músicas ou trombo o Marcão ou o Luiz por aí. Sendo chato em dobro, acuso o que segue de “pré-resenha” ou um relato honesto sobre as coisas como elas são por quem enxerga a emotividade, o contato próximo e o deixar-levar como matéria-prima pra compreensão da coisa.

Mais que uma banda, percebo o Ressonância, hoje, como uma instituição. Pessoas que vieram de longe em busca de respostas ou fragmentos de mais-vida e que, entre os sucessos e fracassos das pessoalidades, fincaram um pacto de união inquebrável e agregador como razão pra seguir em frente. Inquebrável porque resistir tantos anos de vida subterrânea não é fácil; agregador pela unanimidade alcançada entre os adoradores da música feita com garra e paixão país adentro. E isso não é pra qualquer um.

Feras.

Que remete ao Napalm Death todo mundo já sabe. Que flerta com as vertentes x-y-z da música extrema, também. O que instiga é lembrar que, mesmo diante dos mais variados obstáculos ou os mais temíveis imprevistos – passar necessidade pra ver sua banda rodando o país significa o que pra você? –, a disposição em ver as coisas acontecendo sobressai e traz sentido, porque é de coração. Um desprendimento raçudo, corajoso, alheio aos estereótipos pretensiosos ditados pelos modismos é o que sugere a obra, que tem muito valor por si só, mas, se contextualizada aos passos dados ao longo desses tantos anos de banda, pode ser visto como o mais pelejado e digno de valorizações-mil lançamento do rock goiano. É de se admirar.



Um outro ponto que eu preciso resgatar trata da importância que a banda teve na minha formação (sempre constante, nunca bastante) e compreensão da música, inclusive quanto às barreiras geradas pelos agrupamentos que giram em torno de um dado meio – o “underground”, nesse caso. Foi num show no extinto Terra do Nunca o meu primeiro contato com o Ressonância e, no auge dos meus 14 ou 15 anos, recém-introduzido e maravilhado com as possibilidades que eu mal sabia existir em torno do hardcore, ver o Léo, baterista da época, tocando aquela quebradeira toda com camiseta do Biohazard, por idiota que pareça, mexeu comigo. A postura do Marcão e presença do Bruno, um louco, também foram alvo da admiração e deram um nó na minha cabeça, afinal, era tudo muito explosivo, muito “não-metal” para as minhas precoces percepções. Depois disso passei a acompanhar a banda, frequentar shows de metal e, pouco tempo depois, envolto pelos intercâmbios com amigos daqui e de fora, tudo fez sentido. Era tudo uma coisa só. Manter uma relação de amizade com o Marcão me fez perceber que simpatia, compaixão e sorriso no rosto devem (ou deveriam) ser universais, independente do quão ilegível seja o logotipo da sua banda. Sou grato.

Quanto ao som, Mapinguari é o resultado natural de um processo de evolução, iniciado lá atrás com Agregados Onímodos Malditos e hoje aprimorado a um nível de maturidade musical – e lírica também, talvez a peculiaridade maior da obra – que flerta hardcore, grind e death metal com a propriedade de quem sabe o chão que pisa. Destaco os ótimos timbres do Luiz e a voz do Marcão, guias maiores do que o Ressonância foi, é e será (e isso não desmerece os trabalhos do Hemar e do Weyner, exímios em seus instrumentos). 





Enxergo um potencial danado nesses caras e encaro o Mapinguari não como a estagnação, mas como um ponto de partida para novos horizontes. Que os próximos trabalhos sejam tão audaciosos e desbravadores quanto os quatro são. 

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Podcast Pretexto de Vagabundo #005

INTRO

Oblivians - Christina

TORTO

The Contortions - Dish It Out
Diagonal - Insular
Ordinaria Hit - Imposto
Vermes Do Limbo - Pontinha Du Capeta

PUNK DEMENTE

Hoax - Sick Punk
Flipper - Life Is Cheap
Crazy Spirit - Train
Butthole Surfers - To Parter

BRISAS DA MATA

Devo - Social Fools
Guilherme Granado - Cooking Zoo
Auto - The Woods

DESFECHO

Belgrado - Automatyczny Swiat


Desenho: Diogo H. Rustoff  




segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Entrevista: Guilherme Granado (Againe, Hurtmold, Bodes e Elefantes, São Paulo Underground).

Já que o Atlético decidiu estacionar na tabela, propomos uma breve pausa nas interlocuções entre a vida de repartição e o Estádio Serra Dourada e pedimos atenção para as quatro respostas do Guilherme Granado. Imerso no subterrâneo da produção independente desde os idos dos anos 90, Guilherme divide seu tempo entre o projeto solo (que, inclusive, acaba de ter um lançamento via Propósito Records), as bandas supra-citadas, e eventuais colaborações com gente como Pharoah Sanders, Dan Bitney (Tortoise) e Carlos Issa (Objeto Amarelo), entre tantos outros. Gente fina toda vida e multi-instrumentista por profissão, vira e mexe ele dá as caras aqui em Goiânia, sempre aberto e tranquilo com as pessoas, sem essa de meio-campo pra articular as ligações. Ssegue:

                                 

01.   Já te vi em ação com seu set solo, depois em parceria com o Roger Martins, outra com o Marcos Gerez e uma na dinâmica de banda, com o Bodes e Elefantes. Foram quatro ações completamente diferentes, mas (pra mim) unificadas num horizonte musical longe do “padrão” de começo-meio-fim. Partindo dessa liberdade, você considera sua música algo infinito? Existe um lugar a se chegar durante esses processos de composição (ao invés da simples reprodução) ao vivo?

Eu considero toda música, na verdade toda arte que me interessa, infinita. Mas, dito isso, contar uma história é muito importante pra mim, tanto como ouvinte e apreciador como quem produz. Pode não ser uma história contada de maneira linear, mas a história está ali, abstrata ou não. Quando componho, toco ao vivo ou improviso, a ideia é sempre manter uma ligação com o que veio antes e com o que vem depois. Nem sempre funciona, e isso é ótimo também. E, obrigado por ouvir a diferença entre cada show. Cada vez que você adiciona ou subtrai alguém em uma configuração assim, as coisas vão soar muito diferentes, mesmo.


02.   Numa entrevista recente ao blog materialmaterial, Phil Cohran, questionado sobre as relações entre música e política atualmente, diz que “a música é a única voz que as massas escutam. Se você não expressa ideias revolucionárias em sua música, as pessoas não desenvolverão uma consciência revolucionária”. Mesmo estando no “olho do furacão”, existe alguma pretensão “revolucionária” (não apenas no sentido político da palavra) nas suas expressões? 

Eu não diria que existe "pretensão" nenhuma. Mas eu tenho completa consciência que se expressar de qualquer maneira não muito convencional hoje pode ser visto como uma atitude revolucionária. Fazer esse tipo de música, compartilhar isso e ainda viver disso é uma coisa bem subversiva no mundo de hoje. Até porque, se você for olhar, tem gente de mais de 30 anos hoje em dia fazendo discos com pretensão “artística" que soam como o Balão Mágico. Eu acho que tratar o publico com o respeito devido (sou um homem de 35 anos, já vivi e senti diversas coisas e minha arte não pode se limitar a um “i love you, a vida é linda, estou tristinho, você não respondeu meu e mail") já pode ser considerado como algo revolucionário. O que na verdade é uma pena. Na minha opinião, tratar as pessoas como adultas e com respeito deveria ser o padrão, e não só na música.

                                      

03.  Três dos quatro shows que citei na primeira pergunta foram em Goiânia, em formatos bastante simples e organizados pela máxima do “faça-você-mesmo”, através da Propósito Records, selo que, inclusive, lançou recentemente um disco seu. Tendo vivenciado esse meio por tanto tempo, o que ainda hoje te atrai num processo autônomo de produção (desde shows a discos, zines, etc)? 

Eu acho ótimo lidar e trabalhar com amigos, gente que você confia e que confiam em você. Como o Ian Mackaye já disse: “confiança custa mais barato do que advogados".

04. Além de já ter tocado em banda de hardcore, to ligado que curte um Iron Maiden e um Celtic Frost era To Mega Therion. São horizontes meio opostos ao que você faz hoje (e admiro muito essa abertura), então pergunto, o que é indispensável pra sua afinidade musical? Existe um elo entre todos esses campos? De resto, valeu a paciência e disposição e fica a vontade pra deixar um recado final. 

Pra mim o elo é o som. Som é som. Simples assim. Algumas coisas me agradam mais que outras, e eu realmente não divido a musica em estilos. O indispensável talvez pra mim seja isso: som sincero, verdadeiro. E isso também é muito relativo e aberto a todas as possíveis interpretações.

Obrigado pelas perguntas e o interesse. Pessoal, sejam legais uns com os outros, o mundo pode implodir a qualquer momento. Façam o que vocês querem do jeito que vocês acreditam, porque a gente não sabe quando essa brincadeira vai acabar, e é sempre mais legal sair pela porta da frente e não a dos fundos.

Beijos.

 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Entrevista: Daniel Melim

Decidimos interromper a abordagem dos atores sociais de Goiânia por acreditarmos que a influência dos métodos ultrapassa as fronteiras. Acreditamos em ações como as que serão descritas a seguir, e esperamos que essas palavras inspirem para a manutenção de um social autônomo. 
Daniel Melim é mais um exemplo de persistência e inquietude criativa acima de qualquer adversidade local ou temporal. Radicado no punk e imortalizado nas paredes do ABC paulista, Melim mistura as vivências de ex metalúrgico à pedagogia do "fazer para viver", contribuindo para a comunidade através de projetos inclusivos enquanto arte-educador. Sobre isso e outras tantas ações desenvolvidas em sua comunidade, ssegue uma entrevista feita por e mail com o artista. 




01. Você vem do ABC, região de predominância operária. De que forma as suas experiências locais - vivência na metalurgia, envolvimento com as lutas sindicais - influenciam na sua percepção e expressão de arte? 

Ainda vivo aqui na região. Desde muito cedo acompanhei de perto essa movimentação – meu pai trabalhava em uma montadora, meu tio era frente de greve, minha mãe professora; eu ia com ela nas greves. Mais tarde fui estudar em escola técnica, onde me formei como Técnico em Mecânica e trabalhei alguns anos prestando serviço em diversas empresas da região e Grande São Paulo. Isso tudo foi muito importante para minha formação social e política. Tudo isso de alguma forma aparece no meu trabalho, mesmo que não panfletário, mas está inserido de um jeito que talvez nem eu ainda entenda bem. Em horas com certeza esta mais visível, talvez na rigidez das faixas verticais, no desenho técnico, nos próprios temas. Mas tudo isso ainda é parte de mim e é meio difícil me afastar e ter uma visão mais global, de como interfere ou influencia.

02. O que veio primeiro pra você, o punk ou a arte? Consegue fundir os dois pontos numa coisa só ou as enxerga de forma separada?

O punk me fez entender como eu poderia desenvolver meu trabalho de forma mais autônoma, criar sem base numa escola definida, sem grana, com poucos recursos e mesmo assim fazer acontecer. A arte veio antes. Muito novo eu já desenhava, ajudava minha mãe a criar impressões em mimeógrafo com ilustrações para a turma dela, jornal da escola primária, enfim... Conheci o punk na adolescência, a partir do skate. Na década de 90 a cena aqui era forte de banda, e mesmo com o mercado do skate em baixa, tanto aqui como em outros locais da cidade o skate tava na rua, nos restos de pistas, e com isso veio toda a cultura junto – música, atitude, arte.



03. Fala um pouco sobre o Projeto Jardim Limpão. Também queria saber quais os efeitos positivos - receptividade, mudanças observadas - e os nem tão positivos assim nessa sua tentativa de inclusão e "democratização" artística. 

Depois de um tempo como Técnico em Mecânica resolvi mudar os rumos da minha vida. Decidi fazer arte-educação. Quando comecei a faculdade ainda trabalhava na firma, pra poder bancar parte dos estudos. Mesmo ainda estudando comecei a trabalhar com arte-educação em projetos sociais, ONGs e redes municipais. Mas sempre fora de São Bernardo.
Fui pegando muita experiência e aprendendo muito. Até o ponto que minha ideologia já não batia com os locais que trabalhava e também já estava trabalhando com pintura, com outra renda, e decidi me juntar com dois amigos que já desenvolviam um projeto de capoeira angola na quebrada, o Angoleiros Sim Sinhô. Os conheço desde moleque, sempre conversávamos muito sobre eu desenvolver alguma coisa no bairro, mas nunca rolava. Ate que resolvi começar com o Graffiti e pintar as vielas da quebrada. No primeiro juntou uma galera, desde criança até os pais. No primeiro momento estranharam... “Pintar isso, pra que? Por que? De graça?” Mas a molecada queria fazer parte daquilo, que era novo no bairro. Nesse momento entendi que ali o era inicio do projeto, que poderia trampar com os amigos, Vanderlei Viana e Fabio Mendonça, e aplicar tudo que aprendi ao longo dos anos como arte-educador.
Eu consegui ter controle do processo pra no final sair um mural bacana, mas consegui que todas as crianças, de alguma forma, pintassem juntas. Assim como também usar o spray, preencher de látex, Estêncil. Isso em 2006. Em 2007 lancei por conta própria um catálogo com essa experiência.
Bom, o volume de crianças foi aumentando e em 2008 comecei a usar o espaço da Associação de Bairro para ministrar oficinas de artes visuais para a comunidade, numa forma de organizar melhor e apresentar um pouco mais de conteúdo. Os Graffitis continuaram. No decorrer dos anos consegui trazer artistas para pintar no bairro como Tinho, Ciro, Sapo, Meduza e Otito, Cena7, Gafi... Em 2010, ganhamos um prêmio onde consegui desenvolver de forma mais profissional o projeto e lançar um segundo catálogo.
É difícil mensurar os resultados, mas conseguimos virar referência, o que por um lado é bom, mas por outro é bem difícil. Não tínhamos fôlego para atender as demandas, que já fugiam de ser culturais. Políticos cresciam os olhos e era um embate difícil. Numa forma geral, os jovens daqui melhoraram seu convívio social de forma brusca e caíram bastante os índices de mortes violentas no bairro. Mas o lance mais legal é que os próprios moradores viram que era possível se organizar e lutar por melhorias no bairro. Ano passado se instaurou uma Associação de Amigos de Bairro, efetiva que realmente está lutando por melhorias; entenderam que a ação direta pode ser uma ferramenta de melhoria estrutural e social. Com isso também fechei um ciclo com o projeto, porque minha ideia nunca foi de ser um curso profissionalizante, mas oficinas de mudança e conscientização social e política através da arte. “Se esses moleques podem organizar tudo isso, porque nós não podemos?”
Continuo em parceria com a Capoeira, mas estamos agindo de outras formas e reformulando as ações para o segundo passo.



04. Confeccionar as máscaras de estêncil requer uma certa paciência e dedicação que muitos não possuem e então preferem fazer sua produção a mão livre. Existe um motivo em especial para a escolha do estêncil e não de outra técnica?

Acho que Estêncil é uma questão de gosto, porque tem que ter uma super paciência para fazer a mão livre. Quando comecei a fazer Graffiti eu fazia a mão livre e conseguir o traço certo numa época que não havia Fatcap, NY e tudo isso, era foda. Mas o Estêncil veio pra mim primeiro, na pista de skate de São Bernardo. Na época era toda pintada com Estêncil, eu olhava e não entendia como era feito, mas ali foi a minha primeira referencia de Graffiti. Fiz ate uns Estêncils bem pequenos na época, tipo A4, folha de sulfite, mas não conseguia criar num tamanho grande. Depois de alguns anos encontrei uma galera no bairro que já fazia uns rabiscos, e aí acabamos nos juntando e criando a Ducontra Crew, com a proposta de fazer algo diferente e oposto do que se fazia normalmente. Foi aí que pensei num estilo mais original e resolvi resgatar a técnica do Estêncil. Na época poucas pessoas, além da turma de 80, desenvolviam isso. Juntei as lembranças das pistas, poucos Estêncils que tinha cortado e comecei a juntar com Free Hand, látex escorrido, sujeira. Aí percebi que estava conseguindo imprimir um estilo e ao mesmo tempo criar painéis com outros artistas em tamanhos legais e principalmente poder recriar a técnica que vi nos muros quando moleque.

05. Acompanho seu trabalho a bastante tempo e muitas vezes eu vejo que você realiza graffitis em locais abandonados, de difícil acesso ou longe das grandes vias. Para você qual é o grau de importância entre seu trabalho ser visto ao vivo e o registro final através da fotografia e divulgação na web?

Pra mim os locais abandonados têm a questão estética, que já fornecem uma imensa opção de texturas e formas que acrescentam muito para o meu trabalho. Mas também tem o lado de poder ficar sozinho, pensar, experimentar, além de explorar esses espaços.



06. Tem trabalhado com o que ultimamente? Existe algum projeto em andamento? De resto, agradecemos e pode ficar à vontade pra falar o que quiser.

Eu trabalho bastante, difícil eu ficar parado. Aqui, se não tem projeto a gente cria.
No geral há muitos projetos, mas como você deve saber, nem todos acontecem, uns dependem de terceiros, uma grana extra, e mesmo tentando desenvolver projetos de forma autônoma, através do autofinanciamento, com a grana da própria arte, nem tudo dá muito certo. Em breve começo um novo mural no ABC, e em setembro vou apresentar algumas novas pinturas na Galeria Choque Cultural.  De resto, prefiro falar quando tiver certeza mesmo.
Valeu mesmo pelo convite, uma grande satisfação. Obrigado!




terça-feira, 22 de julho de 2014

Entrevista: Pedro Rabelo (Bang Bang Babies, Dees Grace Combo, Mandinga Records).

Seguindo a perspectiva de retratar o que de relevante o subterrâneo goianiense oferece, hora e vez do Pedro, vocal e guitarra do Bang Bang Babies, protagonista do promissor trio interestadual Dees Grace Combo e recém proprietário do selo Mandinga Records. Radicado nos confins do que por aí chamam de Garage Rock, Pedro divide suas funções com a profissão de jornalista frustrado, com o Atlético Clube Goianiense (o mais querido dos goianos, a locomotiva rubro-negra), além de cafezeiro dono de posses em bairros nobres da capital. Ssegue:


01. Passa aí o relatório completo da Mandinga Recs. Quem ~idealizou~, quem cuida, por que foi criada, quais os possíveis próximos lançamentos e quem mata e quem morre em mais essa empreitada de sucesso pra anti-indústria fonográfica goianiense.   

A Mandinga está surgindo agora, com o lançamento do novo 7” do Bang Bang Babies, mas é uma ideia que eu já vinha matutando faz algum tempo. Na real o lance é bem pessoal e despretensioso, surgiu mesmo pela carência de um selo que lance materiais desse tipo por aqui, juntando também a vontade de fazer algo diferente e sair do marasmo. Na verdade eu assumo as rédeas , mas conto com o help dos colegas de banda e alguns outros amigos, que ajudam desde produção do material gráfico até a montagem “mão-a-mão” dos discos. A ideia inicial é lançar  apenas 7” de bandas mais ou menos  nesse estilo weird/garage/punk, o que não chega a ser uma regra, na real. O lance é fazer coisas legais e diferentes do que costumamos ver por aqui. Tudo isso sem muita pretensão, o negócio vai fluir de acordo com as possibilidades. A Mandinga também pretende produzir alguns eventos esporádicos(chegamos a fazer algumas edições de uma festa chamada “Primitive Rock”, trazendo pra Goiânia bandas como Human Trash, Black Needles e Golden Jivers), mas fazer shows não é a prioridade, ainda mais porque a cidade não da muita abertura pra bandas do estilo, o público é limitadíssimo e é sempre muito complicado trazer bandas de fora. Posso adiantar que o próximo lançamento será o 7” do Jazz Beat Committee, banda que conta com gente de São Paulo, Santa Catarina e do Uruguai, o som é meio que um garage/no wave bem classudo.       

                

02. Numa resposta do Ian Mckaye publicada no Não Devemos Nada a Você ele diz o seguinte: “As pessoas dizem: “vocês complicam tudo!”. É bem assim. As pessoas nos vêem e é como ver um cara na estrada numa carroça. “Por que ele tem um cavalo e uma carruagem? Por que ele não usa um carro?”. Existe uma razão.”
Bom, no trajeto do Bang Bang Babies já rolaram lançamentos em cd pela Monstro, um 7" pela Tosco Brasil e agora um novo 7" pela Mandinga, ou seja, tudo saiu da mão dos outros pras mãos de vocês mesmos. Vocês estão optando por cavalo e carruagem ao invés de um carro? Quais as vantagens e desvantagens disso?

Bela analogia! Quem quer  andar  rápido demais pode acabar se frustrando. É isso que eu venho observando na cena independente atual, todo mundo seguindo fórmulas  e clichês para serem bem aceitos, é fácil perceber que pouquíssimas dessas bandas duram mais que 2 ou 3 anos. O Bang Bang Babies tem quase 10 anos e seguimos fazendo as coisas do jeito que a gente quer. Temos tocado pouco em Goiânia nos últimos anos,  meio que por conta disso, mas ao mesmo tempo a gente já tem as manhas de fechar alguns shows e mini turnês fora do estado sem ter ninguém por trás. O fato de a Mandinga existir não significa que a gente não queira lançar por outros selos, a ideia agora é manter o diálogo com pessoas que entendam a onda, seja dentro ou fora do país.

 03. Se não for te dar muita canseira, queria que traçasse um panorama sobre o que de relevante tem aparecido nessa infinidade chamada Garage Rock a nível de Brasil, atualmente. Bandas, shows, selos, discos, produtores, etc. No mais, fico agradecido pela paciência e te deixo à vontade pra falar o que quiser. 

No meu entendimento, o termo “garage rock” tem como ponto de partida a liberdade pra fazer o som da maneira que a banda bem entender, podendo mesclar o som primitivista com  outros estilos como punk, blues, surf music, fuzz sessentista e por aí vai. No Brasil existem várias bandas legais fazendo isso, existe meio que uma ajuda mútua entre quem faz esse tipo de som, mas os espaços e oportunidades ainda assim são pequenos. É difícil circular e lançar material, por isso algumas bandas fazem isso fora do País. Vale ressaltar o trabalho de selos/produtoras como a Mamma Vendetta, Mondo Crasso, Projeto Zoombilly, Dance Like Trash, Wildstone Productions, Trash Can Records, e outros que não to me lembrando agora.  Existem bandas boas por todo país que é até foda ficar citando , mas é só dar uma pesquisada, que com certeza uma banda vai levando a outra.




sexta-feira, 20 de junho de 2014

Entrevista: Bruno Abdala (Propósito Records) + Sessões de Improviso na Suqueria.

Hoje, 21/06/2014, acontece mais uma edição das infalíveis Sessões de Improviso. Encabeçada pelo time de feras da Propósito Records, é uma oportunidade e tanto pro desavisado situar-se sobre o que de relevante tem despontado nos quesitos criatividade e liberdade musical em Goiânia. Pra esclarecer do que se trata a coisa toda ssegue uma pequena entrevista com o responsável pela causa, Bruno Abdala, torcedor do CRAC de Catalão e xerife do levante que tem expandido os horizontes da música sem fórmula por aqui.


1. O que são as Sessões de Improviso e quais as vantagens/dificuldades de um processo autônomo pra produção de shows de música livre em Goiânia?

Cara, as Sessões de Improviso, assim como a Propósito, são uma tentativa. A experiência do fazer na prática, além de um pretexto pra reunir os amigos. Não tem nada relacionado ao improviso jazzístico, até porque não tem nenhum jazzísta entre a gente, né? 
O nome improviso tem mais a ver com a forma que tudo é feito. Da escolha do local que vai acontecer, passando pelo modo como conseguimos os equipamentos, até mesmo a divisão de "tarefas" entre as pessoas, tudo é feito da maneira mais simples possível. As vezes a pessoa tá ali, de canto, observando o que tá acontecendo em volta dela e no próximo minuto ela pode estar ali do lado da caixa de isopor dando uma força enquanto o outro vai tocar. Há quem diga que isso não é profissional, mas eu quero saber, quem vai ser o dono da verdade de me falar o que é ser profissional? Profissional é fazer o negócio acontecer, pelo menos pra mim sempre foi assim. Desde as antigas festas do Suvaco, até os shows de punk que você e as outras pessoas da cidade fazem, a minha visão de profissionalismo é essa. Eu sempre vi dessa forma e toda vez que eu vou ou participo de "eventos profissionais", mais eu gosto das coisas menores e feitas por pessoas e não por marcas ou grifes.  A maior dificuldade no meio disso tudo ainda é conseguir um lugar pra fazer sem precisar recorrer às casas noturnas. Nada contra casas noturnas, só que pra gente não faz sentido transformar tudo em balada ou festa ou qualquer coisa do tipo. A nossa dinâmica, enquanto Propósito, é construir sem se adaptar à fórmulas prontas. 

2. Recentemente você tocou com o Diversões Eletrônicas no Bananada, evento de dinâmica completamente oposta à que a gente vê nas Sessões. Como você vê essa cultura de festival e quais as lições - vantagem, desvantagem - tiradas dessa experiência?

Festivais sempre existiram, de todos os vieses possíveis, e sempre vão existir. Até porque existe muita gente fora do circuito neoliberal/governo fazendo as coisas do modo como acredita e em tudo que é canto.  No caso do Bananada, pra ser mais específico, de certa maneira veio até como surpresa. Eu não posso falar por eles (Diversões Eletrônicas), mas acredito que todos  ficaram tão surpresos quanto eu. De certa maneira a gente toca no que a gente faz, então sempre que rola uma possibilidade diferente dessa é legal. As vezes pode ser uma bosta, o que não foi o caso, mas é através da experiência do fazer que nós vamos saber. Sem falar também que tem coisa que já da pra saber que não tem nada a ver desde o começo, então é só sincero com você mesmo e pronto. O show no Bananada foi divertido pra caramba, um set de 30 minutos ininterruptos, tudo alto, falando bonito, chegando bonito pra gente. Não teve desvantagem, até os dj set no camarote caíram bem (to zuano, enchia o saco na hora de buscar bebida, mas era o de menos).  
Esses eventos grandes, no geral, tem uma dinâmica diferente da que a gente tá acostumado a vivenciar, mas saber coexistir também é importante. Acho que é isso.

3. Quais as pretensões da Propósito daqui pra diante? Shows aqui ou fora, lançamentos, etc. 

É como diz aquela música do Curtis Mayfield que eu vivo repetindo:
"Continue to give, continue to live For what you know is right"; "We just keep on keeping on"
Mas, falando do que estar por vir, tem um disco meu com o Marco Túlio (Desassossego) que a gente tá terminando e vai sair em formato físico, daqui pouco tempo. O Diversões tamo na cola pra gravar. O MDFD (Máquina de Fazer Desgraça) deve vim logo também, pelo menos em gravação caseira, do jeito que der. O Bruno Rigonato, the samurai, the illest, se ele topar vai soltar alguma coisa também. 
As Sessões devem continuar, principalmente com a trinca daqui. O Efeito Horizonte, do Daniel Marques, tava faltando só umas capas, que eu tava sem grana pra pagar, mas agora rolou e vou mandar logo pra ele começar a vender lá pela região de São Paulo. Daqui a poucos dias deve estar na mão dele. Teve o lance da Hy Brazil Vol 5, do Chico Dub, que foi legal. Tamo vendo uma residência em São Paulo pra novembro. O Clube Meredien é só alguém colar lá em casa com um tempinho de sobra que nós gravamos. Alguns shows com o pessoal de fora também devem acontecer. E de resto é buscar a evolução. 
Tenho que agradecer todo mundo que me ajudou e ajuda a fazer essas coisas. Pedro Marques, você, Marco Túlio, Bruno Rigonato, Bruno Ribeiro, Estúdio Ilha, Marcos Gerez, Guilherme Granado, Rogério Marttins, Baoba S.C, Luciano, Fred (pelas ideias e conversas), Angela (Brava), Mau, Mujique, Pettra, Catchup (maionese e mostarda), Tonim (baixista), Segundo, Rustoff, Thiago Xavier, Zargov, Narrira, Israel e todo mundo que cola e ajuda.
Link do evento no Facebook

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Entrevista: Whógenor Sales (blog Licor de Chorume).

Fizemos essa pequena entrevista com o responsável pelos honorários no blog Licor de Chorume, em julho do ano passado. A publicação veio tardia porque a ideia, em princípio, vejam só, era encaixá-la num possível zine que nunca saiu e, se por um acaso for, vai demorar. Pra não deixar a coisa esfacelar no tempo seguem aí, 5 perguntas - repito, pouco, mas era o que o impresso comportaria - feitas ao letrista mór, namorado da Nati, gente fina e tapeteiro do Fluminense, Whógenor Sales. 



1. Primeiro, as nossas honestas congratulações pelo ilustríssimo serviço prestado ao barulho nos subterrâneos do Brasil. Fala aí o que te estimulou a começar com o Licor de Chorume, se é uma cria só sua ou há mais gente envolvida, alguma influência/referência que te motivou/motiva, etc.

Primeiramente obrigado pelo ousado convite de entrevistar este lasco de gente, e o blog surgiu a partir da ideia do Josias (que hoje reside em Porto Velho/RO) de criar um blog que reunisse as bandas nacionais que não encontrávamos em blogs e tudo mais. Ele veio com o nome e a proposta de postar cinco bandas, uma da cada região do país por mês, eu surgi com a ideia do humor, slogan, logotipo... tudo decidido e acordado entre nós dois em reuniões vagabundas no famigerado Bar da Tia. As influências são várias, mas destaco o Mozine (Läjä Rex), o povo nordestino, as almas perdidas (que são verdadeiros encostos de distribuidoras e botecos sujos), a música brega, o Distrito Zero (Diário da Manhã), Jornal Meia-Hora, Jornal Daqui e os livros de simpatia.


2. É impressionante como nada passa em branco pelo blog. Você consegue retratar com uma abrangência enorme tudo o que acontece de canto a canto do país, o que eu acho bem legal e necessário. Mesmo abraçando a diversidade, existe algum critério na escolha das bandas postadas?


Pô mano, massa que você curte essa cabarezagem toda, e como eu disse antes, a ideia era postar uma banda de cada região do país por mês, só que nos primeiros dias de postagens o cronograma foi pro pau, eu me empolguei e comecei a postar muitas bandas (risos). Na época a gente priorizava os sons que gostávamos, com o passar do tempo o circulo foi ampliando, bandas de vários lugares começaram a enviar materiais pra resenhas, e desde então priorizamos mais as bandas que entram em contato conosco, e tipo, se existe uma bandinha de hardcore/punk/metal que gravou a demo no fundo de casa da forma mais tosca e caseira possível, a gente vai ouvir o som, sacar a ideia do pessoal e postar na humildade mesmo, servindo talvez de incentivo para que essas pessoas continuem nessa luta e que outras vejam o exemplo e tomem coragem pra montar suas bandas. Sei que existe muito blog por aí, mas são poucos que abrem espaço pra este tipo de banda que ninguém conhece, e o nosso é um desses sítios, que posta banda que ninguém posta/gosta.


 3. Sua mãe vem de Exú e seu irmão é ninguém menos que o Bacural. Até que ponto a convivência com estas duas figuras reflete na linguagem e no conteúdo do blog?

Faltou citar que meu pai é do Codó/MA, então já dá pra saber que mexer com este cabra aqui não é coisa muito lucrativa (risos). Bom, como minha criação foi uma mescla da cultura nordestina com as peculiaridades desta Goiânia provinciana, foi meio que inevitável essa bagunça linguística ter interferido nas resenhas do blog. Já meu irmão foi fundamental nesse processo de criação do sítio (mesmo sem ele saber disso, risos), pois foi ele quem me apresentou o punk, o hardcore, os zines e todo esse mundo torto que é o underground, portanto, a influência dele parte mais no lance do ambiente subversivo em que ele me inseriu, tá ligado? Posso citar ainda que sou fortemente influenciado pela maloqueiragem de rua, dos botecos e do cotidiano do caótico transporte público de nossa cidade, e por aí vai.

 4. Em 2012 você foi convidado a escrever um texto sobre o Oscar Fortunato pra exposição “Das Ruas”, na abertura do Festival Vaca Amarela. Como você vê a importância de figuras como ele e outros “intervencionistas urbanos” para a construção de uma mentalidade pensante e combativa numa metrópole com cara, tipo, postura e padrão de cidade de interior como Goiânia?

Essa oportunidade de escrever para a exposição “Das Ruas” foi uma das coisas mais gratificantes que fiz no ano passado, poder resenhar sobre o Oscar Fortunato, Rustoff e o Marcelo Peralta foi ao mesmo tempo uma responsa ponta firme e satisfação plena, pois admiro o trampo que eles fazem já vem de uma data, então foi meio que uma espécie de homenagem tosca em forma de texto, já que foi muita coragem do Oscar ter me convidado pra rasurar essa expô (risos). E o trabalho que eles e outros fazem nas ruas de Goiânia eu enxergo como algo revolucionário, já que o fato de você tirar a atenção, ativar o imaginário e causar o questionamento naquela pessoa que está acostumada com a rotina do trabalho, do estudo, do confinamento do carro e tal, é um fato primoroso, pois são artes urbanas, expressões, protestos expostos de forma clandestina, ilegal, subversiva, que aquela pessoa vai ter contato e que pode fazer pensar diferente diante de vários fatos. Somos uma capital com características enraizadas do interior, e essas intervenções ainda chocam, mas esse é o primeiro passo de vários para que a mentalidade da nossa população possa mudar. Sair pregando cartaz por aí a favor do aborto, legalização da maconha, contra o barulho do carro de boi do divino pai eterno, contra a manipulação da TV Anhanguera e da Hora do Angelus torna-se cada vez mais necessário nesta cidade em que as pessoas ainda se orgulham em exibir suas unhas sujas de terras vermelhas, ou mais, que ainda dão aval para seres deploráveis do naipe de Marconi Perillo e Ronaldo Caiado.

 5. Genor, querido, pode ficar a vontade pra falar o que quiser.

Mano, valeu mesmo pelo espaço e pela coragem em me convidar pra esse forró, e no mais eu deixo o recado pra quem for ler isto, que compre materiais undergrounds, vá aos shows, produz algo subversivo e questione sempre os padrões estabelecidos nesta sociedade falida. E se você não gosta de mim ou do sítio licôur de tchorume, uma dica: seu nome já esta na boca do sapo, encomenda feita pelo Mestre Bita do Barão. Beyjos!